Esses dias, em uma conversa com uma amiga que constrói comigo muitos dos fóruns sobre divórcio e novas famílias, falamos de anjos. Desses que aparecem na vida da gente nos momentos de necessidade e dor aguda. Desses inesperados. Que caem do céu, mesmo. E nesse papo me dei conta que tive um na minha história recente. No momento mais duro da vida para mim. E que caiu na minha casa, quando estávamos esfacelados, após a decisão pela dissolução da nossa estrutura familiar, como era. Eu, como fio condutor de tudo aquilo. As crianças, sofrendo o impacto. Enfim… O anjo caiu do nada. Enviado pelo universo. Coisa de Deus eu acho.
Naquele mês, no qual o pai dos meus filhos saiu de casa, minha secretária, que fazia o trabalho doméstico e que já me acompanhava a um bom tempo, pediu demissão. Recebeu uma proposta irrecusável para o momento dela e eu, naturalmente, compreendi e apoiei.
Só que era o momento mais inoportuno da vida para mim. Estava só. Com dois filhos, uma casa grande, muita dor, medo, e uma certa insegurança quanto a possibilidade de eu não dar conta de tudo aquilo que se apresentava. Perder ali alguém que já dominava o nosso ambiente e estava ligada afetivamente às crianças, o que seria ótimo em um momento tão frágil, me parecia mais uma prova. Mais uma batalha a vencer. A me testar quanto a minha competência em manter aquele caminho novo para a minha família. Um teste à minha persistência, às minhas certezas, tão frágeis ainda naquela máquina de moer na qual nos encontrávamos todos.
Romper com uma história de amor, que um dia foi, e que gerou filhos da sua essência, dos seus sonhos, próprios daquela constituição, é um momento de dor profunda. Falei aqui muitas vezes, mas não canso de lembrar. Dessa situação inesperada que se apresenta detrás das cortinas, após a decisão de descontinuar um casamento.
O divórcio é o processo que possui mais facetas o qual já lidei. Você pensa que vai doer, mas enfim, resolver o problema de uma vez faz valer a pena a aposta. Só que traçando um paralelo triste, mas perfeitamente adequado, é um processo que se assemelha a um tratamento de câncer severo. Você diagnostica o problema e acredita que se opera-lo e seguir o tratamento adequado, pode acabar com ele. Aquele que está instalado no seu estômago. De repente você abre o problema e acha outro na sua faringe, nos ossos, nos rins…
É assim com o divórcio. Você decide tratar aquele problema pontual e importante que estava acontecendo na sua vida, e que parece ser um.
Aí quando cai na realidade dele e seus impactos, botões de emergência começam a soar por toda a parte, e de repente, nos vemos correndo para lá e para cá apagando incêndios severos. Que açoitam a estrutura emocional e financeira dos filhos, a sua. Que, por algum momento, a faz questionar que tipo de mulher e mãe você é. O que sobrou e se há vida no depois. E ali, tenta se salvar e à sua família daquilo que parece ser uma metástase. Preservando o que dá. Aprendendo e ensinando sobre valores vitais na vida e verdades, coisas obscuras em algum momento no cenário apático anterior, e que estoura para fora durante o processo de divórcio como uma enorme inflamação, até então submersa.
Nessa avalanche a solidão é companheira. Privilégio de poucos terem apoio e a presença isenta e amiga em meio à avalanche. O normal é ver as pessoas desaparecerem. Não por maldade, mas por realmente não saberem lidar com a situação triste, nem saber o que dizer. E nesse cenário recebi meu anjo da guarda.
A vaga que tínhamos precisava ser preenchida com rapidez. Trabalhava loucamente na época e precisava de retaguarda em casa. As necessidades eram tantas! Uma pessoa afetiva, que gostasse de crianças, que cozinhasse, cuidasse bem da casa e da roupa, fosse de confiança e não faltasse. Afinal naquele momento éramos nós três, e se eu faltasse, me atrasasse ou tivesse qualquer outro infortúnio, ela teria que estar lá para nós.
Mas anjos não surgem de asas na nossa frente. Isso é bom você saber para quando vê-lo, reconhece-lo. O meu apareceu travestido de uma mulher simples, agarrada na sua bolsinha. Uma senhora morena e bonita, que havia servido café como copeira nas férias de uma funcionária da empresa na qual trabalhava. A indicação foi da minha gerente financeira, que me assistia ali, empilhando e equilibrando pratos na minha vida, considerando que a pessoal estava morrendo e nascendo de novo naquele momento.
Ela dizia, na entrevista, que não cozinhava e não tinha experiência no cuidado profissional de crianças. Suas experiências permeavam áreas de limpeza e copa de empresas, mas comentou gostar dos pequeninos. Tinha netos, então não era aparentemente um problema para ela a presença deles. Tímida, quase não falava. Apenas acenava com respostas objetivas e honestas quanto às necessidades que eu colocava na mesa. E naquele momento frágil, fechamos uma parceria de trabalho meio sem pensar nas negativas e impossibilidades prováveis, por suas limitações, dadas as circunstâncias. Eu precisava de alguém rápido. Ela me parecia um ser do bem. Sabia que ali aprenderíamos algumas coisas juntas, e era isso. Ela quis ficar, talvez pela situação que encontrou em mim. Viu que eu precisava realmente de ajuda. E aquela boa mulher, característica que eu podia identificar de cara, era tudo o que eu precisava. Uma boa pessoa. O que nós três precisávamos para recomeçar.
Para resumir, aqui está ela há mais de quatro anos. Faz o melhor feijão e o melhor bolo que já comi. E olha que quem me conhece sabe que não como essas coisas… Mas os dela eu como. Minha Joana acorda de manhã e corre para a cozinha para um abraço e um cheiro nela, e para dizer que a ama. Ela leva meu Joaquim no colo para vestir o uniforme e corta melões gelados no meio da manhã para o lanche dele. E eu, sou cuidada como uma filha. Na escolha do sabor do bolo, sempre o meu predileto. Já tenho ciumentos na casa! No meu café da manhã, servido como nunca antes. Minha salada prontinha, que me espera todas as noites na geladeira, para ser comida a hora que der. No meu cafezinho passado, sempre na térmica preta. Mas principalmente no amor que dedica aos meus filhos. Aos três. Pois com a chegada da Antonella, nossa bebê, ela virou avó. Ama mais que tudo. E administra o amor dos seus outros pequenos com uma maestria que vi em poucos na vida. Como uma mãe. Não amando mais um do que o outro. Apenas amando a todos e cuidando.
Nunca faltou, nunca se atrasou, nunca nos deixou na mão, nem na operação, nem no afeto. E há alguns anos é também o meu ombro amigo, minha confidente e a herdeira direta do meu guarda roupas de mulher.
Meu anjo. É a única explicação que eu conheço para o que nos aconteceu. Viveu comigo o meu divórcio. Com os meus filhos, a sua rotinas do compartilhamento, arrumando mochilas, lanches, roupinhas e bilhetes compartilhados. Viveu o amor de novo em mim. O meu casamento e a notícia da minha gravidez. Me paparicou por nove meses e hoje cuida mais do que nunca de nós.
E depois, tem quem não acredite que exista uma força maior nesse mundo e que o bem está em toda a parte. Quando mais precisávamos, caiu do nosso céu a nossa “fadinha”, como a chamamos carinhosamente. E tornou nossa jornada melhor. Com mais amparo, segurança e amor.
Se é anjo que chama? Bom, tenho um aqui em casa. Tive durante todo o meu processo de construção da nossa felicidade no depois. Aqui chamamos de “fadinha”. É o que ela é. E no meio de um ou outro anjo que nos apareceu, se destacou. Pois não nos conhecia. Apenas topou entrar no nosso barco e amou “iguais”. Esses que achou aqui em casa. E aqui, formamos com ela uma família de afeto. Dessas que não vem com pré-requisitos, nem provas de admissão ou testes sanguíneos. Mas feita de bondade, do desejo de trocar, de amparar e de amar.
Tem algum aí, na sua história? Olha bem… É anjo que chama, ou como aqui, uma “fadinha”.
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