Sou do tempo dos bilhetes. Tenho lembranças do meu prazer em recebê-los desde a minha infância. Dos recadinhos que a minha mãe deixava com as ordens do dia para mim e para as minhas irmãs, com tempo de televisão autorizado, horário de temas e de vestir os uniformes da escola. Lembro também do afeto escrito em papéis de carta por amigas da escola. Das nossas trocas de carinho e até de mágoas, em bilhetes intermináveis, que nos levavam a novas constelações no nosso grupo das “melhores amigas”, a cada semana.

Depois vieram os bilhetes de amor. Uma das demonstrações de afeto mais genuínas e impactantes para mim até hoje. Não há nada mais delicado e mais romântico do que separar um tempo, um papel e uma caneta, para dedicar a alguém afeto. Por vezes escrito em uma folha de caderno, em meio à falta de alternativa melhor, ou no velho papel de “pão de meio”, o que, diga-se de passagem, entrega os meus tempos. Outras vezes em cartolina vermelha ou preta, escrita em canetinha dourada ou prateada, para os mais caprichosos e planejados nos assunto. Ou em cartões daqueles vendidos em tabacarias, carregados de corações e flores. Opa, entreguei a minha idade de novo. Ocorre que em qualquer situação, se dedicava tempo àquilo, e se registrava o amor.

Registro do afeto é bonito demais. Não é de hoje que eu falo aqui de registros. Do quanto eles materializam memórias, valorizam momentos, ou, de certa forma, os colocam expostos nas nossas prateleiras, pelo menos para mim. Vivemos tempos tão fluidos que ter uma lembrança para pegar é uma benção, um privilégio. E não importa se referem momentos não mais presentes, não mais realidades. Pois compõem a história nossa, um pedaço do caminho, um momento feliz, uma prova da verdade… Do que um dia foi.

Eu criança, recebendo rotinas da mãe. A amizade profunda dos meus afetos de menina, pelas quais tantas vezes chorei por medo de perder, de não me adequar. O amor de um namorado, de outro, com os quais descobri pouco a pouco a vida desse sentimento em mim. Com os quais cresci no amor romântico e na importância dele na minha vida. No registro do amor e da parceria, e depois da crise e do desencontro, nas trocas de “cartas digitais” com o pai dos meus filhos. Nas cartas, escritas pelo meu marido a cada semana e a cada data comemorativa, que recheiam as minhas gavetas e caixas do amor da nossa jornada.

Foram muitas as minhas referências nos “bilhetes” da vida. Eles construíram muitos mundos para mim, além do que os olhos aparentemente podem ver. E por isso, tenho a minha vida cheia deles. Enviados e recebidos.

Minha “fadinha” aqui de casa costuma achá-los por toda a parte. Eles andam por aí, entre revistas, sobre mesas e até caídos no chão do nosso lar. Bilhetes dos meus filhos para o pai, para o pai afetivo, entre eles, para mim. Meus para eles, para o meu marido. E os do meu marido para nós, antes das suas saídas de trabalho, o que virou parte do nosso “até logo”. Enfim, bilhetinhos carregados sempre com palavrinhas vindas dos nossos desejos de conexão e dos nossos corações.

Semanalmente, antes de sair para o trabalho em Santa Maria, meu marido deixa bilhetes para mim, a fim de me surpreender. Nos lugares mais inusitados, já que o fato de deixá-los já é uma rotina. Ele surpreende no encontro desses queridos papeizinhos. Por vezes na minha carteira, solto na minha bolsa, dentro do meu computador, no mural do nosso escritório, e outro dia, no para-brisa do nosso carro. A questão é que eles são um carinho o qual aprendemos a valorizar, e por isso, não deixamos faltar mais.

Minha filha outro dia me deu um bilhete após assistir a minha rotina difícil com três crianças em casa pela manhã. Reconhecendo ali a minha opção temporária de estar com eles neste turno e o esforço afetivo que coloco neste projeto materno, e que nem sempre é bem sucedido. Me viu naquele dia em exaustão. Questionando a minha capacidade de lidar tão entregue e profundamente com a rotina de mãe presente, que participa, que acompanha. O maior dos papéis da minha vida. Este que não vem com bilhete de regras, garantias ou reconhecimento. Que exige um “abrir mão” muito além do que eu poderia imaginar antes de viver a maternidade. E na sua doçura e capacidade de visualização do todo, daquele cenário, a minha Joana escreveu um bilhete para mim e me entregou antes de sair para a escola naquele dia.

Foram muitos bilhetes importantes na vida. Recebi por eles grandes notícias e sentimentos declarados. Bons e ruins. De fins e de recomeços. E por todos tenho muito respeito, afeto e gratidão. Mas esses dois marcaram a minha vida. O do meu marido me convidando para construir um futuro juntos, foi um deles. Palavras escritas com tanta essência e tanto amor, que fizeram sentido para a minha vida na hora em que foram lidas. Que me movimentaram em direção a novas construções de família e de afeto. E que, vez ou outra, roubo da gaveta para uma espiadinha. Para viver aquele carinho de novo, aquele momento de profundo amor, aquela história de recomeço para nós.

O outro foi o que trouxe acima, e que recebi da minha Joana, falando da mãe que ela vê. Tão diferente da que eu vejo e que tantas vezes questiono quanto a sua capacidade e eficiência. Mas mais lindo do que me ver pelos olhos dela, foi ter esse olhar registrado para sempre. Naquele bilhete. Pois sei que aquela perspectiva pode mudar, mas já me faz profundamente feliz saber que um dia foi assim. Que ela me viu suficiente e admirável. Para que eu nunca esqueça da mãe que eu fui ali, naquele instante da vida.

Não é por nada que a escrita faz tanto sentido afetivo para mim. Não é de graça que encontro nas palavras formas mais profundas de me comunicar do que em vídeos nas redes sociais, mesmo sabendo que eles “engajam” mais as pessoas com as quais desejo me comunicar. E hoje, meu principal canal é o bilhete. O papel. Mesmo que digital, já que vivemos na era dos smartphones, e-mail e perfis em redes sociais. Para mim, são todos pedaços de papel.

Daqueles que poderiam ter saído do “pão de meio”, do caderno da escola, do bloco de propaganda ou do meu amigo bloco de notas do IPhone. Todos bilhetes. Que escrevo com muito afeto aos meus. À minha família. Aos que dividem comigo o gosto pela leitura, pela profundidade da calma das palavras, pelo amor pela vida, pela construção de saídas e chegadas. Bilhetes que geram conversa, abertura de gavetas e troca de afeto. Bilhetes que materializam reflexões, amores, dores e memórias. Tudo o que eu conheço desde criança. Que guardo como tesouros em caixas pela casa. Meu arquivo confidencial. Minhas lembranças mais reais. Meus troféus por passos dados. Através de correspondências de amor. De todos os formatos possíveis. Cartazes, e-mails impressos, e-mails arquivados digitalmente, bilhetes em cartolinas, post-its, papéis de pães e guardanapos.

Quem não tem um guardado na gaveta ou dentro de um livro?

Costas de fotos e contracapas de cadernos. Todas joias minhas. Meu museu. Este, que não por acaso, levantei, fiz vivo. Fiz livro. Construí no site do New Families. Bilhetes e mais bilhetes, do tipo que escrevo para você. E que coabitam em mim, junto com as minhas caixas cheias deles aqui em casa.

Não há presente como um bilhete verdadeiro. Não há. Então se você tiver algo muito legal para dizer a alguém, pega um pedaço de papel aí e escreve. Registra esse carinho. E passa adiante. Reverbera. Enche as gavetas, caixas e corações dos outros.

Eu por exemplo ia adorar. Mesmo digital:)

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