Queria falar do amar, ato de sentir afeto nobre por si mesma e pelo outro. Não do amor, substantivo masculino que significa “forte afeição por outra pessoa, nascida de laços de consanguinidade ou de relações sociais”, que é uma das explicações do mesmo no dicionário, e que traz essa definição por si só, com ou sem a gente.
Um é ação, outro, substantivo. E trouxe aqui porque ao vivê-lo de tantas maneiras diferentes, me questiono se as minhas “formas” não foram significativamente impactadas pelo modo como fui, ou como “fomos” todos apresentados ao amor, nas mais diversas cenas da vida.
Uma fala do livro de “Alice no país das Maravilhas”, que achei em vídeo essa semana, e publiquei nas minhas redes, descreveu com poesia o ensinamento do “coelho” à protagonista Alice, sobre o amar…
Sob a sua ótica, ela não poderia amar, colocar o amor em ação com o outro, e trocar, então sendo amada de volta, se não estivesse antes “vestida” dele, com uma “carapaça” segura, somada a uma outra de felicidade, que a protegesse contra o desamor e os acontecimentos além dela, do seu controle, desejo, ou sensação sobre o que é feliz. Talvez, de forma mais recorrente ou, melhor nomeada, contra a não reciprocidade do ato de amar, ou mesmo, do lido com um mundo não idealizado.
Me ocorreram duas questões de imediato, “cuspidas” do meu íntimo…
A primeira veio da leoa mãe. Será que estimulamos os nossos filhos a compreensão do amor e do seu processo de “troca” pelo mundo afora, além de nós e do nosso, maternal, que é incondicional? Os preparamos para a dor que é amar e não ser amado de volta, o que é tão da vida? Os permitimos viver a frustração do que não é, do que foge do planejado, do que não podemos protegê-los, já que tudo o que exige da gente, ensina? Conversamos a respeito do amor primário, aquele que vive na gente, na nossa existência e reconhecimento enquanto corpo, “casa”, alma, personalidade, que faz escolhas, tem comportamentos, e que, quando ativos e exercitados no dia a dia, por escolha ou por acaso, constituem nosso primeiro plano no mundo dos afetos? E que nascemos sozinhos, e assim, nos despedimos da vida, sendo essa relação, de nós com nós mesmos, o que há de mais perene na nossa jornada?
Sem falar na mala de “ferramentas”, de lidos corajosos e do bem, tão valiosos, frutos dessa compreensão… Por nos impedirem de “fugir” na vida, pela carga que representa uma fuga, principalmente porque ela pesa principalmente em nós. Lembrando que nos enfrentamentos e no amor próprio somos nós os mais beneficiados…
E então, depois da mãe, veio a mulher.
E a segunda questão, peculiar às mulheres mães, foi a que questionou em mim se eu mesma me preparei para essa jornada de forma justa comigo, quando também me sinto fruto desse processo ainda tão complexo, desconhecido, e por isso, insuficiente. Dessa mesma “forma” que entendi ser uma importante ajuda no processo dos meus filhos, na sua construção afetiva.
Me perguntei se fomos, nós mulheres (e também os homens), educados para o “amar”. O verbo mesmo. Aquele que coloca o substantivo em uso de forma justa com ele e com o seu elevado significado. E aí a resposta óbvia e assustadora que me veio, em ato contínuo a “cuspida” da culpa de mãe, foi que nos faltou a primeira aula, por gerações, para não dizer que talvez nunca antes, em nenhum tempo, alguém tenha a tido.
O amor é coisa moderna. Na história, homens e mulheres não se casavam nem se relacionavam por amor, mas para unir famílias, defender interesses, terras, tribos, linhagens, culturas, poderes políticos. Assim se dava também a maternidade, cheia de composições sobre as quais não permeava o desejo afetivo. Não eram tempos nos quais o afeto era ato valioso, considerado, compreendido, ou mesmo assunto. E a nossa ancestralidade nos presenteia com essa carência imensa de terreno fértil e sábio para o lido com o amar.
Nos atrapalhamos o tempo todo no que tange esse mundo tão profundo de entrega, de bem querer. Não sabemos muitas vezes como manuseá-lo na vida, expô-lo, reivindica-lo, recebê-lo, esgotá-lo, abandoná-lo… Nem como fluir nele. Misturamos palavras ao amor como altruísmo, generosidade, felicidade, paz e tantas outras, quando ele é tudo isso e nada disso. Pois amor me parece simplesmente amor. Algo singular e ainda misterioso. Para o qual ainda somos confusos e aprendizes.
E aí, como ensinar aos filhos jeito de se preparar para o amar, quando tudo o que sabemos é que o lugar mais exigente dele nascer, engatinhar e andar é dentro da gente, com a gente como primeiro objeto desse afeto, e que essa é a gestação, o parto e a maternidade para os quais nos sentimos mais atrapalhados e desamparados na nossa jornada? E que por isso ainda traz tanto sofrimento? E como ensinar o que simplesmente viemos tentando trabalhar sobre, ainda com tantos cantos escuros, mesmo na maturidade?
Pois bem… já disse o sábio coelho de “Alice”, que a frustração embasada, compreendida, sentida, pode ser um caminho. Queria eu ter achado esse coelho antes, ou ter entendido sua linguagem profundamente amorosa, lá na minha infância. Na minha formação afetiva. Mas afinal, ele, o amar, ainda travestido de simbolismos, charadas, frases rebuscadas e poesia, esconde um desejo que espia o mundo da gente, tentando viver nos nossos atos, provocando nossas capacidades e se instalando nos espaços que damos para ele, ainda com covardia. Devagar, pelo medo que a frustração ainda nos cauda.
Por isso, talvez a consciência de que ela é da vida e de que podemos sobreviver às quebras que ela nos traz, seja um caminho na direção do amar. Talvez…
O outro é nos colocarmos como aprendizes. Eles são atentos, abertos, e talvez nessa cadeira de quem tem muito o que aprender, possamos cursar a “escola dos afetos”, do amar, com um oferecimento de maiores espaços na gente que o permitam nos preencher. De amor. E assim, construirmos com essa abundancia a nossa carapaça. Aquela que apresentaremos ao nosso mundo, e naturalmente, aos nossos filhos, que nos assistem ansiosos. Buscando caminho, luz na travessia do amar.
Então, não será preciso desenhar ou explicar o seu valor inestimável… Apenas sentir.
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