Nada é chato para aquele que ainda não assume responsabilidades. Tudo é lúdico. Brincadeiras e atividades de rotina, tudo é prazer. Dependendo do talento de quem orienta, acompanha, dia ruim só aquele oriundo de alguma virose, de dente nascendo, de fralda cheia ou de fome, e isso eu estenderia para os adultos também, acredite. Já experimentou? Fora isso, tudo é alegria.
Joaquim disse que eu sou uma chata. Passei a ser aquela que lembra das responsabilidades novas que ele passou a ter de assumir no avançar da idade. Vem abandonando a infância aos poucos, então não há jeito. As exigências vieram com o crescer. Estudo, tempo controlado de eletrônicos, rotina de esportes, hora de dormir para estar disposto no outro dia, almoço na companhia da família, a entrega de algumas “pérolas” como medida de segurança, corroborando assim com o próprio cuidado… Não é mais criança, mas é. Se comporta como uma às vezes, perdido nas demandas do “mundo dos grandes“, e em outras, se atreve a desafia-lo com um ensaio de autonomia que em muito ainda falha.
Aos poucos a escola foi ficando mais exigente e as relações também. O corpo e a mente deram sinais de mudança, trazendo sensações e sentimentos sobre as coisas que geraram certos incômodos novos e mais resistentes ao tempo e às distrações, antes suficientes no estabelecimento do bem estar. Um pirulito ou um quebra cabeça novo já não são páreos para o lido com as mazelas, com as frustrações… Um colo, uma promessa de um tempo só para nós, mãe e filho, hoje soam como uma piada de mal gosto proferida por uma arrogante com excesso de autoestima. Ora, a companhia da mãe ser opção prazeroza! E, de repente, o mundo adulto mostrando a sua estrondosa realidade, sem filtros, assombra.
Eu sou uma das companhias, talvez a principal, que o introduz nesse mundo real e cruel, com anestésicos mais perigosos do que um colo ou mais tempo de desenho na tv… Olha que desastre de papel o meu. Nem a princesa da história, nem a que premia, nem a que curte, mas a bruxa mensageira de más notícias, das ordens, das regras, das consequências.
Ele está certo, o mundo fica bem mais chato quando se torna real. Queria eu ficar horas lendo meus livros, de papo com amigas, entre cafés e vinhos, assistindo séries, ou viajando pelo mundo sem data para voltar… É tudo o que ele quer quando perde horas e horas no iPad com os amigos enquanto eu o cobro dos temas, de ler mais, de estudar, de juntar a louça ou a roupa suja do chão do banheiro. Eu sou a chata que puxa ele para as duras penas da realidade. Que o tiro do prazer, da infância, que encerro o gozo de uma vida sem o peso das responsabilidades, das funções necessárias. É duro crescer a vida toda, mas as primeiras exigências soam mais chatas, é inegável. E a verdade é que sempre são, em qualquer tempo, e a gente cobra que não sejam para os filhos como se para nós fosse fácil dar conta das chatices da vida.
Ir embora de uma festa boa, enfrentar o fim de umas férias naquele lugar que amamos e para o qual só voltaremos “quando der”, tirar aquela maquiagem que ficou perfeita para dormir, fazer aquilo que é necessário no trabalho, mesmo que não represente a nossa fé, levantar para executar a rotina após uma daquelas noites mal dormidas com uma bebê pequena… Ficar sem vinho por causa do antibiótico, ficar louca por aquela bota e não poder comprar, ter que cuidar dos filhos e da casa naquele dia que tudo o que o nosso corpo e a nossa cabeça pedem é silêncio e uma cama quente… Tenho certeza de que sabes o que estou dizendo, cá entre nós. Então a gente há de convir, juntas, que a vida não é fácil. E que a dos adolescentes que descobrem no seio da família que sempre os protegeram, que o balanço entre o prazer da infância e os pesos da vida adulta exigem muita fé e otimismo para sustentarem uma rotina equilibrada e feliz, é no mínimo cruel no início, dado o choque de realidade. E que por isso, talvez possamos admitir a chatice do nosso trabalho com eles e que simplesmente nos tornamos talentosos na arte de lidar com o que é chato e pesado, coisa que o tempo, as experiências e a resignação conquistam. Coisa essa que o Joaquim e outros pré adolescentes ainda não tem.
Que chato, né? Sou uma chata, mesmo. Esse é o meu trabalho na tentativa de garantir uma travessia minimamente traumática para ele na sua construção adulta. É o meu trabalho na travessia dos meus três. A qual vai demandar o lido com realidades nada fáceis, mas do caminho. E eles devem ficar assim também com o tempo, chatos, ou na melhor das hipóteses, talentosos na arte de driblar as exigências da vida e vivê-la com mais leveza até que venham a ser os orientadores de alguém, e nesse processo, achem o ponto certo.
A gente tenta. Mas afinal, desejo que eles sejam melhores do que eu. Se ficarem menos chatos com si mesmos, já valeu.
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